Na efervescência dos debates sobre a reforma tributária, que após três décadas sem avanços ganhou um capítulo decisivo no início de julho com aprovação da PEC 45/19 na Câmara dos Deputados, é fundamental colocarmos na mesa de discussões um ponto que, invertendo a ótica das tão desejadas simplificação e segurança jurídica, pode trazer impactos negativos para os brasileiros, para as empresas e o próprio desenvolvimento do país: o longo período de transição do “velho” para o “novo” sistema.
Em diversas ocasiões, já enfatizei a importância de aprimoramentos fundamentais no texto em tramitação para que possamos alcançar verdadeiros avanços. Essas melhorias incluem a implementação de mecanismos que evitem onerar certos segmentos, como tem ocorrido com o setor de serviços, principalmente, para os prestadores que não possuem uma cadeia de consumo. Além disso, é crucial mantermos a competitividade do Simples Nacional e considerar o creditamento ou a desoneração da folha de salários.
Mas hoje quero aqui alertar para o longo tempo em que os dois regimes tributários, o atual e o novo, coexistirão, o que certamente acarretará no aumento das obrigações acessórias das empresas, da burocracia, do Custo Brasil e da insegurança jurídica, que hoje já beiram ao insustentável.
Pelo proposto, a transição terá início em 2026, com a entrada do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que terão alíquotas de 0,1% e 0,9%, respectivamente. No ano seguinte, a CBS passa a ser cobrada com alíquota integral, acarretando a extinção do PIS e da Cofins e a redução do IPI para alíquota zero, com exceção dos produtos da Zona Franca de Manaus. No ano de 2029, além do início da transição em relação ao IBS, que vai afetar estados, municípios e o Distrito Federal, começa também a redução gradual do ICMS e do ISS, que vai até 2033, ao mesmo tempo em que será elevada a alíquota do IBS inversamente proporcional. Enfim, apenas em 2033, a transição será encerrada.
Dessa forma, teremos o novo sistema tributário brasileiro sobre o consumo somente em 2033, uma década após a sua aprovação e sete longos anos de muita de muita dor de cabeça diante de problemas dobrados na hora de apurar e pagar impostos, emitir notas e contabilizar os dois regimes. Lembramos ao leitor que as bases de cálculo de impostos são diferentes, o cálculo dos tributos atuais é “por dentro” e para o IVA será “por fora”.
Ou seja, uma carga burocrática adicional, muitas incertezas, pouca transparência para quem consome bens e serviços e inseguranças e ainda uma inevitável elevação de custos de conformidade.
Todo esse cenário gerará incertezas econômicas, pois empresas brasileiras e também de fora podem postergar decisões de investimento ou contratação, esperando uma maior estabilidade no ambiente tributário, o que deve impactar o crescimento econômico e a criação de empregos no país. E mais: pode comprometer até mesmo a própria eficácia da reforma, afinal, o mundo continua em transformação e com cada vez mais desafios para o empreendedorismo e as nações.
Além disso, diante de um período tão longo e tantas novidades e adversidades por vir, quem nos garante que todo esse pacto firmado pela reforma hoje não sucumbirá à força do tempo e dos Poderes Executivos e Legislativos, principalmente, os Estaduais e Municipais?
Sabemos que foi gasto muito capital político para essa aprovação, e a sistemática do IVA Dual (CBS e IBS) pode, em algum momento, ceder diante dos entes federados, podendo inclusive tornar definitivo um sistema provisório e de transição, o que seria o pior cenário imaginável.
Por tudo isso defendemos a redução desse prazo de transição, pois a manutenção do status quo por um período muito extenso gera mais insegurança ao contribuinte, que ficará à mercê de dois sistemas distintos com normas diferentes sendo aplicadas em concomitância.
Hoje, somente no âmbito federal, temos um grande número de obrigações acessórias, e a imposição de um período de mais de sete anos para a instalação completa das mudanças servirá para somar insegurança e novas dificuldades e entraves a um sistema já mergulhado no caos.
Levando em conta que em 2026, ano de início da transição, através da cobrança inicial do CBS e IBS, o Governo já será conhecedor das alíquotas necessárias para manter a arrecadação, acreditamos que o período de doze meses seja o suficiente para a instalação definitiva do novo modelo e extinção do antigo.
Temos plena consciência que, para a manutenção de benefícios e isenções, as legislações e os antigos tributos teriam que estar vigentes para que tivessem eficácia e validade e talvez seja esse o motivo que impacta diretamente no prazo de transição. Outro ponto impactante é a preocupação do Executivo e do Legislativo para que não haja um desequilíbrio concorrencial e variação nos preços praticados pelo mercado. Entretanto, acreditamos que há saídas econômicas, comerciais e alterações legislativas que possam tratar da transição desse grupo de empresas em capítulo apartado.
Agora é hora de acompanhar de perto a evolução da reforma, buscar esses aprimoramentos para garantir que ela saia pronta e alinhada com as necessidades do país e esteja apta para se adaptar às transformações econômicas do futuro. E certamente isso passa por um período plausível de transição. Somente assim poderemos colher os benefícios pretendidos por um novo modelo tributário e levar o Brasil ao desenvolvimento e destaque que ele merece.
Publicado em: 11/08/2023